24 abril 2008

Uma questão de linguagem

Muito concentrado, o jovem inocente desenhava a fronha do Fernando Pessoa, com um interesse claramente interessado. Sim, é redundante, mas verdadeiro. Ao riscar (alguns dirão desenhar) o nariz metálico do poeta imortalizado por compor A Mensagem (e outras tantas), no bloco barato que repousava, sobre as suas pernas, com a sua 0.2 preta, é interrompido por um vulto que lhe esconde o objecto do desenho.

Ouve-se algo pouco audível, sim, outra redundância (este post terá várias redundâncias). Era um estranho que lhe dirigia a palavra. Estupefacto, o jovem perguntou muito calmamente ao parvalhão, que raio é que ele queria, afinal o Fernando já devia estar farto de fazer pose para o desenho. Sem perder tempo, o vadio mirabolante esboça um sorriso sarcástico e confirma que o jovem falava português, escrevia português, pensava português e até desenhava um português (falecido, mas também conta). Então pediu-lhe uns «trocos» para comer um bolo. Aborrecido com a falta de delicadeza, o jovem diz que não tem moedas consigo. O apreciador de bolos afasta-se com um sincero agradecimento agradecido mas pouco sincero e dirige-se a uns alemães que se encontravam na mesa ao lado. Estes cospem-lhe uns ich nehme nicht wahr e uns auf wiedersehen, ao que o personagem não oferece resistência e parte.

Fernando Pessoa, exausto, permanece no lugar, gélido como um defunto. Todavia, o rapaz com a caneta fica inquieto. Mais uns traços aqui e ali, um bigode acolá, uma cera nos ouvidos, uns lábios queimados pelo café... e surge outro artista, mas que artista!

Uma prateleira com objectos que se assemelhavam a chocolates da Páscoa, importados da Somália (fazem chocolate lá?), despachados com um ano de atraso por um transitário marroquino, queimados ao Sol de Marrocos. É a visão que surge à frente do jovem, português por sinal. Uma redundância: moedas para comer. Não, moedas para comprar algo para comer, para ser exacto. Como dominava o inglês, o jovem tentou e arriscou -- respondeu à turista:

-- Sorry but I don't understand...

Surpresa!

-- Yes, yes! Nice drawing sir! You see these objects, I do these handcrafts by myself, and... do you have any coin? Anything?

O jovem nunca mais falou inglês em público. A linguagem gestual resolvia o problema, mais rapidamente.

2 comentários:

Vítor Sá disse...

opa era um gajo... e opa... quando falaste na prateileira, tava a pensar noutra coisa :D

mas sim, foi um momento interessante ;)

Mário disse...

lol...ok andre, deste post gostei (os outros foi so pra dizer alguma coisa XD)
deve ter sido um episodio interessante o aqui tratado XD