17 agosto 2010

Mudasti



Não queria ser pessimista. Não queria ter que parecer pessimista. Então não vou ser.

Um pessimista só o é porque ainda tem esperança que as coisas mudem, senão era um realista. O optimista pelo contrário tem esperança que as coisas, aparentemente, não mudem e assim se concretize o que espera. Ou então etc.

O que eu queria dizer então é que a palavra «mudasti» vai conseguir entrar no dicionário mais cedo ou mais tarde. Não estou a ser pessimista, nem optimista.

Se fosse pessimista era porque acreditava que ninguém iria incorrer a favor de uma ideia tão absurda, de fabricar como natural da nossa Língua uma coisa que não é mais do que um produto comercial, um extracto de slogan. E mesmo que não o seja, é um quanto autoritário fazer campanha pela inclusão de um termo no dicionário, quando a Língua é de todos e só quando o povo assim falasse é que seria o momento certo para inscrever «mudasti». E o povo não fala assim. Até podia dizer "ninguém" fala assim, mas certamente há quem fale assim. Contudo todos nós dizemos barbaridades, conjugamos mal os verbos, soltamos umas interjeições irreconhecíveis, mas daí a se tornar norma escrita, ainda que sejamos muitos, vai um salto no absurdo. Por uma questão de democracia nos critérios, até todo o calão português que ainda não está no dicionário e ainda o calão que está para nascer deviam ser incluídos antes de «mudasti» entrar no dicionário.

Como sou realista, como compreendo que coisas como o Acordo Ortográfico são possíveis, então deduzo que a Língua realmente não é diferente do resto das coisas que fazem o país, que mesmo as coisas imateriais que são nossas e fazem parte de nós podem ser vendidas, desacreditadas e, ainda pior, descuidadas. O «mudasti» vai chegar lá, quer queiramos, quer não. Ou não.

Ou não, para não parecer pessimista, isto é, ainda que chegue lá, há sempre uma questão de princípio e valores a defender, mesmo que não se acredite numa viragem ou resultado positivo. Até lá, seja qual for o desfecho, há que defender o que, informadamente, se acredita.

Quanto aos optimistas, acreditam que a Língua Portuguesa não vai mudar muito. Vai continuar a ser atropelada. A organização da campanha e os seus promotores estão optimistas. Já encaixaram a palavra gramaticalmente: trata-se de uma expressão idiomática. Uma expressão idiomática é por exemplo "cabeça-de-alho-chocho" ou "falar pelos cotovelos". São fruto de uma cultura e dinâmica complexas que demora muito tempo a surgir. Naturalizar o «mudasti» como expressão idiomática é de deixar qualquer um "pelos cabelos".

Afirmam também que já existem muitas palavras inúteis no dicionário. No site da campanha existe até um «lixionário». Mas uma coisa é certa, para compreendermos a nossa Língua de hoje, podemos precisar de compreender o que já caiu no desuso. Para ler Camões preciso quase de importar um novo dicionário de palavras que "já não se utilizam", mas nunca preciso saber o que é o «mudasti».


E devo dizer que nunca disse tantas vezes «mudasti», como o fiz a este propósito apenas. De resto não são números de assinaturas, neste caso, que compram a razão. A forma circense que a recolha de votos assumiu é um belo espectáculo do apelo ao nonsense e entretenimento imediato (oferecendo prémios pelos votos) em que uma multinacional realmente se atreveu a brincar com a Língua e valores de uma nação, ou para não ofender ninguém, do povo lusófono. Não quero parecer demasiado sério, mas isto nunca aconteceria no Irão nem na Coreia do Norte: de certeza "rolariam cabeças". Felizmente tornámo-nos mais civilizados, tolerantes e respeitosos. Esperemos que a Nestea/Nestlé também se torne.


14 agosto 2010

O quê, e a mudança



Nada é nada. Assim como tudo é alguma coisa e nenhuma é tudo. Não há fronteiras rígidas para nada, que é como quem diz, para tudo. Então qualquer coisa -- isto é, tudo -- é alguma coisa não estanque, que se consubstancia num todo, e tudo será assim, mais coisa menos coisa, parte de si e entre si. Um ciclo fechado.

Mas nem sempre esta ressalva é a excepção que confirma a regra. O negar algo afirma-o também, contudo esta dualidade é estática. Só a excepcionalidade à regra é que transforma. Só assim se dão saltos. Saltos de compreensão.

Enquanto isso não acontece, quanto mais as coisas mudam, mais ficam na mesma.

Mas nem sempre.


31 julho 2010



Confiar é sempre um acto de fé. Nunca temos uma certeza total sobre nada, por mais certo que possa ser. Se não confiássemos, o que seria? De nós, do Mundo, de tudo? E vamos confiando porque é necessário. Porque estamos todos no mesmo barco.

Nesta terra não há ateus que não tenham .


10 julho 2010

Rescaldo II



Independentemente do resultado da final amanhã, esta é a personagem mais importante do Mundial: o polvo Paul. O registo dele até é melhor que o da Espanha, pois ganhou sempre e os nossos vizinhos perderam com a Suíça. Basta pesquisar e ver o quão importante este senhor é.

O melhor treinador deste Mundial é o Camacho, apesar de não ser seleccionador de nenhuma equipa. Acho que isto diz o porquê.

A melhor adepta do campeonato foi...


30 junho 2010

Rescaldo



Após o naufrágio dos Navegadores, resta saber ver, e ouvir, o lado positivo das coisas. Talvez as vuvuzelas se calem.


11 maio 2010

Máquina do tempo



O Universo nasceu de uma explosão e nela surgiu tudo o que existe e irá existir. O espaço, o tempo, a matéria.

A nossa máquina do tempo permite viajar para trás e também para a frente. Mas quando o tempo pára, quando queremos que pare, não pára verdadeiramente. Estamos simplesmente a viajar sempre para o mesmo momento, constantemente a regressar ao mesmo tempo.

O tempo não pára, continuamos. Só temos de deixar de lhe prestar atenção.


09 abril 2010

Escutar



Quando falavam os ânimos subiam de tom como reflexo do que sentiam. E sentiam mesmo, não havia dúvidas. Mas não bastava, então iam discutir para a biblioteca. Lá, entre as paredes de papel, o silêncio que se lhes impunha fazia com que ninguém os ouvisse, e que eles realmente se escutassem.


01 abril 2010

Ponto [Ponto]



[Este é um artigo relacionado com a realidade contemporânea e intemporal. Constante, nunca poderá ser lido antes ou depois de agora. Embora pese a síntese sobre a composição, este será o mais contido e mais abrangente possível.]

Hoje é um ponto. Entre vários pontos. Não necessariamente sequenciais. O calendário é um instrumento de escravidão e as horas a comichão da sua presença. Amanhã é um ponto à nossa frente. Que está sempre à nossa frente. Esse ponto. Outro ponto. Ontem também é um ponto. Atrás de nós e sempre atrás. Mas que ponto? Outro também. Como saber? O único ponto que interessa é o agora. Que nada mais é que hoje. Mas um ponto sozinho o é no vazio. Sem ontem nem amanhã. Mas isso são apenas distâncias entre pontos. Todo o ponto é distância até outro ponto. Outro ponto. Não interessa quando. Qual. É outro ponto como este ponto. E preciso dele para não ser um ponto só. Preciso doutro ponto para não ser um ponto. Para ser mais que um ponto. Para ser uma distância. Uma até ao outro. Ponto com o outro. Um ponto ontem nunca é. Um ponto amanhã nunca será. Um ponto hoje só é com outro. Agora e contigo. Ponto final.

[Se não conseguiu ler, terá de regressar ao agora e deixar o antes ou o depois para depois]

29 março 2010

Save yourself: Remember yourself



"O que arde, cura. O que aperta, segura."


É então que as saudades são só um instante em que nos lembramos quem somos, quem fomos, e o que temos, para depois então podermos dar um passo em frente, e não um passo em falso.



02 março 2010

Bichinhos da terra



Sem ter feito, experimentado, tentado. E depois sem se ferir e cair, arruinar. Tão bem conservado, foi para os bichinhos da terra o comerem. Foi velho, mas de velhice é que se foi. Mas para quê? Cheio de saúde, como fresquinho estava, para os bichinhos da terra o comerem. Para quê, tristeza?


04 fevereiro 2010

É prohibido dizer ótimo


*** Este Blogue não foi escripto (nem prevejo que venha a ser) ao abrigo do novo Acordo Orthographico ***

Qualquer erro de sintaxe é inaptidão minha. Qualquer erro ortográfico é intencional, patriótico1 , instruído e informado.


1 - "A minha pátria é a língua portuguesa" - Fernando Pessoa



28 janeiro 2010

Quanto mais alto sobes...



Porque é que a gravidade nos puxa quando o sonho nos levanta? A quem dar ouvidos?

P.S.: Em todo o caso, os pára-quedas têm uma altitude mínima para funcionarem.


21 janeiro 2010

Na prática já é possível:



Foram 37 as pessoas isoladas que adoptaram uma criança em 2009 - 25 mulheres e 12 homens, homossexuais ou não.

"Adoptei o meu filho e ninguém me perguntou se era homossexual. E eu achei que havia coisas mais importantes para dizer. Soube depois que as técnicas conheciam a minha orientação sexual, mas não era isso que tinham de avaliar. Tinham de avaliar as minhas capacidades como pai, fui considerado pessoa idónea. Não são os políticos que têm de avaliar as minhas capacidades. Deixem isso para os técnicos: assistentes sociais e psicólogos."

in Diário de Notícias. 21 Janeiro 2010

[Ver resto da notícia aqui.]


19 janeiro 2010

Para quê?



Contavam-me a estupefacção com que se pode, e deve-se, ficar quando alguém nos pede desculpa. Não é dizer que pedir desculpa seja errado, mas sim por vezes inusitado e principalmente insuficiente.

Parece que hoje em dia, quando se cria um problema ou faz-se alguma asneira, basta pedir desculpa, pura e simplesmente. Como se pedir desculpa desresponsabilizasse quem cria o problema, resolvendo-o. Infelizmente não é verdade a maioria das vezes, um pedir desculpa nada resolve.

Pedir desculpa para quê? Sim, é bonito e fica bem. É educado. Apazigua ânimos. Mas não compra um copo partido, não paga o risco no carro, não arranja o buraco por causa da ponta de cigarro, não repara sentimentos, não tira dores, não traz alguém de volta.

Significa assumir responsabilidade? Por vezes sim, mas isso só não basta, porque assumir essa responsabilidade é mais do que se acusar pelo problema, é trabalhar para resolvê-lo. Isto para que pedir desculpa seja também em si responsável e não mais uma banalidade. Senão não se está a assumir responsabilidades, está-se apenas a "pedir desculpa".


17 janeiro 2010

Reconhecimentos



Okay, já que este é um assunto em voga, aqui vai: deve Portugal reconhecer a independência das suas colónias? Claro que... ###

Pois, ninguém se entende.

Agora algo mais desactualizado... o casamento homossexual. Tenho a minha opinião pessoal, mas há argumentos que não percebo. Por exemplo, começam a questionar a definição de casamento porque, ainda que concordem, há quem não aceite que se lhe chame "casamento". Lamento que seja preciso uma desculpa destas para debater o que é o casamento, hoje em dia. Há uma relação muito próxima entre casamento e família, ás vezes quase em sinonímia.

Penso que há um desfasamento entre a definição de família de há dois séculos atrás, e a realidade que temos actualmente. Para começar famílias numerosas fazem parte de um imaginário cada vez mais distante. Filhos únicos, dois filhos, famílias monoparentais, casais sem filhos, famílias de uma só pessoa... é mais isto que se passa. Tendo em conta esta realidade, acho que é razoável que se ajustem mentalidades, certamente.

É incorrecto chamar "casamento" à união legal(izada) de pessoas do mesmo sexo? Porquê? Porque a definição de casamento e/ou família (até porque o casamento pressupunha constituição de família) de há dois séculos está a ser desrespeitada? Na verdade está desactualizada, se assim a entenderem, porque senão até arriscamo-nos a ter de reconhecer que casamentos e famílias, haverá poucos.

"Chamem-lhe outra coisa!". Ridículo. Mudem de nome.

Depois há outros argumentos que me parecem tão... sei lá. Os problemas incutidos aos casais homossexuais, já existem nos casais heterossexuais, ou até mais. E podíamos ir até à adopção, tema sobre o qual nem tenho opinião ainda, mas até agora os argumentos contra não me parecem suficientes para refutar essa hipótese. Ora vejamos, os filhos vão chamar pai e mãe a quem? O mesmo poderia dizer sobre a situação dos divorciados, pais solteiros e orfãos.

Não podem ter filhos naturalmente. Nem muitos casais heterossexuais, que só com ajuda da Medicina conseguiram ter filhos.

Não dariam um ambiente equilibrado para as crianças crescerem. Se isso acontecesse, não seria novidade, pois já há muitas famílias desiquilbradas com pais heterossexuais com filhos. Vá lá, um argumento mais sólido? Ou nem por isso?

E o cúmulo mais provocador, o dia em que um casal de padres (sim, os padres que não se podem casar na igreja Católica) (e sim, certamente também existirão padres homossexuais) adoptar uma criança! E com isto um enfarte abalava alguns corações mais conservadoramente sensíveis. A minha avó se imaginasse isto, amanhã já teria de ir lá eu à terrinha por motivos maus.

Reconheço a necessidade de pensar sobre o assunto, todos nós. Razões e argumentos mais limpos e sólidos, se faz favor...


16 janeiro 2010

Nevertheless, it lives!



Sim, ainda está vivo. Ou pelo menos não está mesmo morto. Ou então não cheira a mofo, ainda.

A transmissão prossegue dentro de instantes...