Não queria ser pessimista. Não queria ter que parecer pessimista. Então não vou ser.
Um pessimista só o é porque ainda tem esperança que as coisas mudem, senão era um realista. O optimista pelo contrário tem esperança que as coisas, aparentemente, não mudem e assim se concretize o que espera. Ou então etc.
O que eu queria dizer então é que a palavra «mudasti» vai conseguir entrar no dicionário mais cedo ou mais tarde. Não estou a ser pessimista, nem optimista.
Se fosse pessimista era porque acreditava que ninguém iria incorrer a favor de uma ideia tão absurda, de fabricar como natural da nossa Língua uma coisa que não é mais do que um produto comercial, um extracto de slogan. E mesmo que não o seja, é um quanto autoritário fazer campanha pela inclusão de um termo no dicionário, quando a Língua é de todos e só quando o povo assim falasse é que seria o momento certo para inscrever «mudasti». E o povo não fala assim. Até podia dizer "ninguém" fala assim, mas certamente há quem fale assim. Contudo todos nós dizemos barbaridades, conjugamos mal os verbos, soltamos umas interjeições irreconhecíveis, mas daí a se tornar norma escrita, ainda que sejamos muitos, vai um salto no absurdo. Por uma questão de democracia nos critérios, até todo o calão português que ainda não está no dicionário e ainda o calão que está para nascer deviam ser incluídos antes de «mudasti» entrar no dicionário.
Como sou realista, como compreendo que coisas como o Acordo Ortográfico são possíveis, então deduzo que a Língua realmente não é diferente do resto das coisas que fazem o país, que mesmo as coisas imateriais que são nossas e fazem parte de nós podem ser vendidas, desacreditadas e, ainda pior, descuidadas. O «mudasti» vai chegar lá, quer queiramos, quer não. Ou não.
Ou não, para não parecer pessimista, isto é, ainda que chegue lá, há sempre uma questão de princípio e valores a defender, mesmo que não se acredite numa viragem ou resultado positivo. Até lá, seja qual for o desfecho, há que defender o que, informadamente, se acredita.
Quanto aos optimistas, acreditam que a Língua Portuguesa não vai mudar muito. Vai continuar a ser atropelada. A organização da campanha e os seus promotores estão optimistas. Já encaixaram a palavra gramaticalmente: trata-se de uma expressão idiomática. Uma expressão idiomática é por exemplo "cabeça-de-alho-chocho" ou "falar pelos cotovelos". São fruto de uma cultura e dinâmica complexas que demora muito tempo a surgir. Naturalizar o «mudasti» como expressão idiomática é de deixar qualquer um "pelos cabelos".
Afirmam também que já existem muitas palavras inúteis no dicionário. No site da campanha existe até um «lixionário». Mas uma coisa é certa, para compreendermos a nossa Língua de hoje, podemos precisar de compreender o que já caiu no desuso. Para ler Camões preciso quase de importar um novo dicionário de palavras que "já não se utilizam", mas nunca preciso saber o que é o «mudasti».
E devo dizer que nunca disse tantas vezes «mudasti», como o fiz a este propósito apenas. De resto não são números de assinaturas, neste caso, que compram a razão. A forma circense que a recolha de votos assumiu é um belo espectáculo do apelo ao nonsense e entretenimento imediato (oferecendo prémios pelos votos) em que uma multinacional realmente se atreveu a brincar com a Língua e valores de uma nação, ou para não ofender ninguém, do povo lusófono. Não quero parecer demasiado sério, mas isto nunca aconteceria no Irão nem na Coreia do Norte: de certeza "rolariam cabeças". Felizmente tornámo-nos mais civilizados, tolerantes e respeitosos. Esperemos que a Nestea/Nestlé também se torne.